O
procurador-geral da República, Rodrigo Janot,
apresentou nesta quinta-feira (20) ao Supremo Tribunal Federal (STF) denúncias
contra o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e contra o
senador Fernando Collor
de Mello (PTB-AL) por suposto envolvimento no esquema de
corrupção na Petrobras investigado
pela Operação Lava Jato.
Nas denúncias, o
procurador-geral pede a condenação dos dois sob a acusação de terem cometidos
crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. De acordo com a Procuradoria, eles
receberam propina de contratos firmados entre a Petrobras e fornecedores da
estatal.
Na denúncia contra
Eduardo Cunha (veja a íntegra), a Procuradoria também pede que ele
devolva US$ 80 milhões – US$ 40 milhões como restituição de valores
supostamente desviados e mais US$ 40 milhões por reparação de danos. A PGR
estima essa quantia em R$ 277,36 milhões, pela cotação atual.
Ambos os
parlamentares negam as acusações. O presidente da Câmara se diz
"inocente" e afirmou que foi "escolhido para
ser investigado". Collor disse que o procurador Rodrigo Janot fez um
"teatro" e "selecionou a ordem dos
fatos".
Também foram
alvos de denúncia de Janot a ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ),
aliada de Cunha e atual prefeita de Rio Bonito (RJ), além de Pedro Paulo Leoni
Ramos, ministro do governo Collor, e mais três pessoas ligadas ao senador.
O STF terá
agora de decidir se aceita ou não as denúncias. Se aceitar, os denunciados se
tornarão réus e responderão a ações penais no Supremo – devido ao foro
privilegiado decorrente da condição de parlamentares, Cunha e Collor não podem
ser processados em outra instância da Justiça.
Na hipótese de
o STF aceitar a denúncia, Cunha – devido à condição de presidente da Câmara –
será julgado pelo plenário do tribunal, formado pelos 11 ministros. O
julgamento de Collor ficaria a cargo da Segunda Turma do Supremo, integrada por
cinco ministros, entre os quais Teori Zavascki,
relator dos inquéritos da Operação Lava Jato referentes a autoridades com foro
privilegiado.
Após o
recebimento da denúncia, Zavascki notificará as defesas para apresentação de
respostas por escrito. Depois da apresentação das respostas, o processo voltará
o Ministério Público, que dará um parecer. O ministro fará então um relatório e
levará o caso ao plenário, que decidirá pela abertura ou não de ação penal –
não há prazo para isso.
A denúncia
contra Cunha
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, foi denunciado por corrupção passiva e
lavagem de dinheiro, sob a acusação de ter recebido, entre junho de 2006 e
outubro de 2012, pelo menos US$ 5 milhões
para viabilizar a contratação de dois navios-sonda para a
Petrobras.
O procurador-geral
inicia a denúncia com uma frase de Mahatma Gandhi: "Quando me desespero,
eu me lembro de que, durante toda a história, o caminho da verdade e do amor
sempre ganharam. Têm existido tiranos e assassinos, e por um tempo eles parecem
invencíveis, mas no final sempre caem. Pense nisto: sempre."
De acordo com a
denúncia, a Samsung Heavy Industry, empresa responsável pelo fornecimento dos
navios-sonda, destinados à exploração de petróleo, pagou US$ 40 milhões para o
ex-consultor Júlio Camargo, apontado como um dos intermediários da propina
recebida pelo esquema e que fez acordo de delação premiada com o Ministério
Público Federal.
Camargo,
segundo a denúncia, foi o responsável por distribuir o dinheiro entre
integrantes do esquema.
A quantia paga
pela Samsung Heavy Industry teria sido depositada no exterior, em contas
indicadas pelo lobista Fernando Baiano, apontado como operador do PMDB no esquema
de corrupção e preso na Operação Lava Jato – o partido nega vínculos com
Baiano.
O presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em sessão
nesta quinta-feira (20) (Foto: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados)
A Procuradoria
informa na denúncia que identificou 60 operações de lavagem de dinheiro, entre
as quais remessas ao exterior, entrega de dinheiro vivo, simulação de contratos
de consultoria, emissão de notas frias e transferências para uma igreja
vinculada a Cunha, a título de doações religiosas.
Pressão
De acordo com as investigações, após o fornecimento das sondas, a Samsung Heavy
Industry parou de pagar as comissões a Júlio Camargo, o que teria levado Eduardo Cunha a
pressionar para voltar a receber a propina.
Para isso,
segundo a PGR, a então deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), aliada de Cunha,
apresentou à Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara requerimentos
pedindo ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Ministério de Minas e Energia
informações sobre Júlio Camargo, Samsung Heavy Industry e o grupo Mitsui,
envolvido nas negociações de um dos contratos. Conforme a denúncia, Cunha foi o
autor "material e intelectual" dos requerimentos – ele nega.
Depois da
apresentação dos requerimentos, Júlio Camargo procurou o ex-diretor da
PetrobrasPaulo Roberto
Costa – preso na Lava Jato e que também fez acordo de
delação premiada – para reclamar da pressão pela retomada do pagamento da
propina, diz a denúncia da PGR.
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Segundo o texto
da denúncia, Júlio Camargo pediu a Costa uma reunião com o então ministro de
Minas e Energia, Edison Lobão,
do PMDB. Essa reunião teria ocorrido em 31 de agosto de 2011, na base aérea do
aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, segundo relata a Procuradoria com
base em depoimento de Camargo, que no encontro teria relatado a Lobão as
pressões que vinha sofrendo.
"Isso é
coisa do Eduardo", teria afirmado Lobão, segundo reproduz a denúncia. Em
seguida, diante de Camargo, o ministro teria telefonado para o deputado e
indagado: "Eduardo, estou com o Júlio Camargo aqui do meu lado. Você
enlouqueceu?".
Após a suposta
reunião com Lobão, Camargo teria relatado para Fernando Baiano a conversa com o
então ministro. Segundo o texto da denúncia, ele disse que ouviu de Fernando
Baiano: "Você pode falar com quem você quiser. Enquanto não pagar o que
você deve, a pressão continuará cada vez maior".
Júlio Camargo
resolveu pedir ajuda ao doleiro Alberto Youssef para
que ele negociasse uma solução com Eduardo Cunha, segundo a narrativa da PGR.
Youssef respondeu que a única alternativa era pagar os valores devidos a
Eduardo Cunha, diz o texto da PGR.
Camargo
recorreu então a Fernando Baiano que marcasse um encontro pessoal com
Eduardo Cunha. De acordo com a Procuradoria, o encontro se deu em setembro de
2011, em um domingo à noite, numa sala de um prédio comercial do Leblon, no Rio
de Janeiro.
Segundo relato
de Camargo reproduzido na denúncia, Cunha disse não ter nada de pessoal contra
ele, mas que era necessário uma solução para a retomada dos pagamentos da
propina.
"Julio, em
primeiro lugar, quero dizer que não é nenhum problema pessoal em relação a
você. O problema que eu tenho é com o Fernando e não com você. Acontece que o
Fernando não me paga porque diz que você não o paga. Como o Fernando não tem
capacidade de me pagar, eu preciso que você me pague", disse Cunha,
segundo reproduziu a PGR.
De acordo com o
texto, depois dessa reunião, os pagamentos teriam sido retomados.
A denúncia
apresentada nesta quinta pelo procurador-geral não esgota a investigação do
parlamentar. Isso porque uma parte da investigação – a que se refere à suposta
entrega de dinheiro a aliados de Cunha – ainda continuará em apuração em
inquérito que tramita no Supremo Tribunal
Federal.
Cunha nega as
acusações
Eduardo Cunha sempre
negou ser o autor dos requerimentos de Solange Almeida e
disse que jamais recebeu propina no esquema da Petrobras.
Nos primeiros
depoimentos à Justiça, Julio Camargo não mencionou o nome do deputado.
Posteriormente, mudou a ver 008000 são e passou a incriminar Cunha. Segundo a
defesa de Camargo, ele não falou antes sobre o envolvimento do presidente da
Câmara por “receio” de sofrer retaliação.
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Eduardo Cunha
afirma que o procurador-geral da República atuou em conjunto com o Executivo
para convencer Júlio Camargo a “mentir” e incriminá-lo. Depois que Julio
Camargo acusou Cunha, o deputado anunciou rompimento com o governo e disse que
passaria a atuar como deputado de oposição.
Na noite desta
quarta-feira, Eduardo Cunha afirmou que, mesmo denunciado, não se afastará
da presidência da Câmara. “Eu não farei afastamento de nenhuma
natureza. Vou continuar exatamente no exercício pelo qual eu fui eleito pela
maioria da Casa. Absolutamente tranquilo e sereno com relação a isso”, disse na
noite de quarta (20).
O líder do PMDB
na Câmara, deputado Leonardo Picciani (RJ), aliado de Eduardo Cunha, disse
acreditar que a denúncia não é motivo suficiente para um afastamento dele do
comando da Câmara, como quer um grupo de parlamentares de diferentes partidos,
entre os quaisPSOL, PSB e PT. Eles
avaliam formular um pedido para Cunha renunciar ou requerer ao Conselho de
Ètica a abertura de um processo por quebra de decoro parlamentar.
Picciani
defendeu que não haja uma condenação antecipada e disse que a “presunção de
inocência" serve para qualquer cidadão, inclusive o presidente da Casa.
“Num Estado de
Direito, qualquer cidadão pode vir a ser réu. O que precisa é concluir o
julgamento. Apenas a condenação pode delimitar isso. Qualquer coisa diferente
disso é uma antecipação de condenação, de suposições que não condizem com o
Estado de Direito, seja para o presidente da Câmara quanto para qualquer
cidadão”, afirmou.
Advogado e PMDB
O advogado Antonio Fernando de Souza, responsável pela defesa de Cunha, afirmou
ao G1 que ainda não teve conhecimento do teor da denúncia.
“Quando
tivermos acesso, vamos preparar a defesa. Mas não podemos adiantar nada, porque
não sabemos nada ainda. Vamos aguardar para ver no que consistiu a denúncia,
vamos examinar antes”, declarou.
Na noite desta
quinta, a liderança do PMDB na Câmara divulgou nota na qual afirma que a
bancada do partido se solidariza com Cunha e afirma que a presunção de
inocência é cláusula pétrea da Constituição.
"Enquanto não se esgotarem todas as etapas previstas no rito da lei, não
há culpados, mas apenas acusados", afirma da nota. "A bancada do PMDB
na Câmara dos Deputados apoia e acredita no presidente da Casa, Eduardo Cunha,
e se solidariza com ele neste momento em que alguns se açodam a defender teses
que ferem o princípio primordial do Estado Democrático de Direito", diz o
texto.
A denúncia
contra Collor
O senador e ex-presidente da República Fernando Collor foi denunciado por pelo
menos dois crimes – corrupção ativa e lavagem de dinheiro. O teor da denúncia
contra Collor não foi divulgado porque cita trechos de delações premiadas ainda
não validadas pela Justiça.
As
investigações da Operação Lava Jato apontam que o senador Fernando Collor de
Mello (PTB-AL) recebeu, entre 2010 e 2014, R$ 26 milhões
como pagamento de propina por contratos firmados na BR
Distribuidora.
Delatores da
Lava Jato afirmaram que chegaram a pagar faturas de cartão de crédito de Collor
e que o senador recebeu parte da propina em dinheiro vivo e em mãos.
Antes de o
dinheiro chegar às mãos do ex-presidente da República, afirmaram esses
delatores, a quantia teria circulado em um carro-forte de uma empresa de
valores e em carros blindados.
Entregador do
doleiro Alberto Youssef, preso na Lava Jato, o depoente Rafael Ângulo disse que
entregou dinheiro vivo a Collor no apartamento dele, em São Paulo – R$ 60 mil
em notas de R$ 100.
De acordo com
os delatores, o principal articulador do acordo que teria resultado em propina
para dirigentes da BR e para o próprio senador foi Pedro Paulo Leoni Ramos,
ministro de Assuntos Estratégicos do governo Collor.
Youssef narrou,
em depoimento, ter sido procurado por Leoni Ramos para lavar dinheiro desviado
da BR Distribuidora.
A investigação
apontou que parte do dinheiro desviado teria sido usado por Collor para a
compra de carros de luxo em nome de empresas de fachada.
Em julho, a Polícia Federal apreendeu
três veículos de luxo na casa de Collor em Brasília: uma Ferrari, um Porsche e
uma Lamborghini. Segundo as investigações, os veículos foram comprados com
dinheiro de propina supostamente recebida no esquema – o senador nega.
Conforme a
apuração, os carros não estão em nome de Collor, mas sim, em nome de empresas
de fechada. Dois carros são propriedade da Água Branca Participações, empresa
de Collor que, conforme investigadores, não tem funcionários e é usada para
lavagem de dinheiro.
As
investigações também indicaram que as prestações do financiamento do Lamborghini
estão atrasadas. Para a cúpula da Lava Jato, os pagamentos pararam em razão da
operação, porque a propina parou de ser distribuída. Já existe, inclusive, um
processo na Justiça de São Paulo para reaver o bem em razão da inadimplência.
Collor nega as
acusações
Desde que foi mencionado nas investigações, Collor sempre negou as acusações e
disse estranhar a inclusão de seu nome na lista de políticos supostamente
envolvidos no esquema.
Em diversas
ocasiões, o senador subiu à tribuna do Senado para criticar a condução da
Operação Lava Jato pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Collor
chegou a usar um palavrão para
xingar Janot em um desses discursos.
Para o
ex-presidente, Janot promoveu "vazamentos seletivos" em uma
"sórdida estratégia midiática". Ele também acusou o procurador-geral
de ter orquestrado as investigações para vinculá-lo ao esquema de corrupção que
atuava na Petrobras.
No dia em que
contestou a denúncia de que recebeu R$ 26 milhões em propina, o senador do PTBdisse “nada ter a
ver” com os fatos a ele imputados. E declarou ter certeza de que “a
verdade, mais uma vez, virá à tona”.
Quanto aos carros de luxo
apreendidos pela Operação Politeia, um desdobramento da
Lava Jato, o senador disse que são propriedade de empresas das quais é sócio
majoritário e afirmou que é o responsável pelos seus financiamentos. Para ele,
a apreensão dos veículos superesportivos foi "espetaculosa" e
midiática".
No discurso em
que xingou o procurador-geral na tribuna do Senado, Collor voltou a dizer que
as acusações contra ele são "ilações".
“Reafirmo que
tudo não passa de ilações. São falsas versões impingidas à opinião pública de
forma a esterilizar a verdade, a escamotear as reais intenções midiáticas do
procurador-geral da República e a impor a narrativa que a ele interessa",
disse Collor no discurso.
Advogado e PTB
Ao G1, o vice-presidente do PTB, deputado Jovair Arantes (GO),
afirmou que, para ele, a denúncia da PGR, a investigação por parte do STF e a
defesa do senador Fernando Collor fazem parte do processo democrático. O
dirigente do PTB disse estar certo de que Collor "irá se defender de
maneira adequada.
"Eu acho
que não é o caso de ele [Collor] ser expulso do partido. Ele tem o direito dele
à ampla defesa, ele vai se defender, preparar suas respostas. Quem vai decidir
se ele é culpado ou não é a Justiça. Eu acho muito arriscado você condendar
alguém se a Justiça julgar, chegar a uma conclusão. Ele precisa ainda
apresentar sua defesa", ressaltou o vice-presidente do PTB.
O G1 procurou
o advogado Fernando Neves, que defende o senador Fernando Collor, mas não tinha
conseguido contato com ele até a última atualização desta reportagem.
À noite, a
assessoria do senador divulgou nota na qual afirma que a defesa de Collor não
se manifestará sobre a denúncia porque o teor não está disponível.
Segundo a nota,
mesmo tendo se colocado à disposição da Polícia Federal, Collor nunca foi
ouvido sobre as acusações imputadas a ele.
"As razões
que levaram a Procuradoria Geral da República ao oferecimento de denúncia antes
da inquirição do Senador e antes mesmo da conclusão do inquérito policial
parecem atender interesses e conveniências outras que não se coadunam com a
melhor apuração dos fatos", diz o texto da nota.
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Fonte G1 da Globo