A poucos dias da votação do
impeachment de Dilma Rousseff no plenário da Câmara dos Deputados, o áudio
vazado nesta segunda-feira (11/04) em que o vice-presidente Michel Temer
discursa como se a destituição da presidente estivesse sacramentada causou perplexidade
no governo federal e recebeu críticas até mesmo da oposição.
Para analistas ouvidos pela DW, Temer
mostrou mais uma vez um claro distanciamento com Dilma e, caso não tenha sido
enviado por acidente, o áudio poderá se tornar um erro estratégico caso a
presidente não perca a votação deste domingo. O vazamento da gravação, além
disso, pode ter sido uma tentativa de influenciar o voto dos deputados federais
indecisos.
© Fornecido por Deutsche Welle O vice-presidente Michel Temer:
gravação pode ter sido tentativa de influenciar o voto dos deputados
Para o professor de política Humberto
Dantas, do Insper, a postura de Temer parece condizente com uma atitude de
conspiração e de quem está, ao contrário do que ele mesmo diz, construindo
planos e seu próprio governo.
"O discurso mostra um vice já
preocupado em assumir o poder, bem diferente daquele que nos jornais declara
que é hora de união", destaca. "Mesmo que Dilma sofra impeachment,
ele não ganhará nada com a gravação."
O cientista político Leonardo Neves,
do Ibmec/RJ, diz que Temer não pede explicitamente votos a favor do
impeachment, mas indica que já espera isso como certo. "Ele parece estar
falando com os que estão em dúvida. Ao se apresentar como presidente, ele está
adicionando um elemento no cálculo dos deputados que só vão se decidir na
última hora."
Para Paulo Sotero, diretor do
Instituto Brasil do Wilson Center, em Washington, as consequências podem ser
negativas porque a presidente tem a oportunidade de reforçar a tese de que tudo
isso é um grande trama para tirá-la do poder – como o fez nesta terça-feira
(12/04), ao acusar Temer de traição, conspiração e golpe.
"Se foi uma estratégia enviar o
áudio e Dilma continuar no poder, isso terá sido um erro crasso. Mas não é esse
vazamento que vai determinar a votação no domingo", opina.
Na gravação, o peemedebista afirma
que decidiu falar após uma "votação significativa" determinar o
prosseguimento do processo contra Dilma e que estava recolhido para não
"aparentar que estaria praticando algum gesto com vistas a ocupar o
lugar" da presidente. Além disso, ele diz que "precisa estar preparado
para enfrentar os graves problemas que hoje afligem o país".
Críticas até da oposição
O gabinete de Temer confirmou a
veracidade da gravação de quase 14 minutos e disse que ele enviou o áudio
"por acidente" aos correligionários. "Trata-se de um exercício
que o vice-presidente estava fazendo em seu celular e que foi enviado acidentalmente
para a bancada", afirmou em nota.
A reação dos aliados de Dilma foi
imediata. O ministro-chefe do gabinete pessoal de Dilma, Jacques Wagner,
afirmou que o vice deveria renunciar ao seu cargo após a votação do impeachment
na Câmara e a eventual permanência de Dilma no poder para ser coerente com a
"atitude golpista".
Ele declarou, ainda, que Dilma
"ouviu e ficou perplexa". "[A gravação de Temer] rasga uma
fantasia de patrocinador e maior beneficiário neste golpe."
Até mesmo líderes da oposição
criticaram a ação do vice-presidente. O líder da minoria no Congresso, Mendonça
Filho (DEM-PE), disse que a gravação foi um "equívoco".
"Não sou a favor de antecipar
etapas, e o vice-presidente, um homem experiente na política, certamente sabe
disso. Com certeza a gravação fazia parte de um exercício e hipótese",
afirmou.
Histórico de fogo amigo
Não é a primeira vez que Temer entra
numa saia-justa com Dilma Rousseff. No último episódio, em dezembro, o vice
acirrou a crise política ao enviar uma carta à presidente afirmando que era
tratado como figura "decorativa" por Dilma, apesar de, segundo ele,
ter se mantido leal ao governo.
Em agosto, quatro meses depois de ser
escolhido como novo articulador político do governo, Temer anunciou que
deixaria a função. No início do mesmo mês, o vice-presidente afirmou, após se
reunir com líderes da base aliada, que o Brasil precisava de "alguém que
tenha a capacidade de reunificar a todos".
Em fevereiro do ano passado, o PMDB e
o PT tiveram posições contrárias no apoio aos candidatos à presidência da
Câmara dos Deputados. Na época, Temer e sua legenda defenderam a candidatura
vencedora de Eduardo Cunha, que não era considerado um aliado confiável pelo
governo.
Autor: Fernando Caulyt