Idealizador da Ficha Limpa
diz que impeachment não deveria ser cogitado
Márlon Reis, juiz eleitoral no Maranhão, idealizador da lei da ficha limpa, em foto de 2012
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MAURI KÖNIG
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
14/04/2016 02h04
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Idealizador da Lei da Ficha Limpa, que só nas eleições de 2014 impugnou 500 candidaturas no país, o juiz maranhense Márlon Reis considera incabível o impeachment da presidente Dilma Rousseff. O magistrado argumenta que um pedido baseado em falhas administrativas, a despeito da sua gravidade, não justifica a perda do mandato.
Para o juiz, a melhor solução é o julgamento da chapa de Dilma e Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral, não importando o resultado.
À Folha, o magistrado diz ainda concordar com a atuação do juiz Sérgio Moro na condução da Operação Lava Jato e elogia o instrumento da delação premiada.
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Folha - No atual cenário, cabe o impeachment da presidente Dilma Rousseff?
Márlon Reis - Eu vejo dois graves problemas. Do ponto de vista constitucional, não há cabimento para o pedido, porque se baseia numa falha administrativa, que apesar de considerável, jamais poderia autorizar a destituição da titular do mais alto cargo da estrutura da República. Não há fundamentos para que possa ser sequer cogitado.
Na perspectiva política, há evidentemente a intenção de, através do impeachment, dar resposta à crise política retirando do poder apenas a presidente, quando na verdade a Presidência foi conquistada por um grupo político, uma chapa do PT e PMDB.
Não é possível acreditar que se resolverá o problema político cindindo uma relação que é unitária e indissolúvel.
As ações em andamento no TSE contra Dilma e Temer têm guarida jurídica?
O Brasil inaugurou um tempo em que a
Justiça passou a ser cobrada em relação ao comportamento dos candidatos em
campanha. Foi um trabalho histórico da sociedade.
São conquistas como o movimento contra
a compra de votos no final da década de 90 e mais recentemente a Lei da Ficha
Limpa. A sociedade reconhece e legitima os tribunais eleitorais, para que eles
decidam sobre os temas relacionados à maneira como os candidatos se comportam
nas campanhas eleitorais e que eventualmente desrespeitaram alguma norma.
Por isso, o TSE tem legitimidade para
decidir com relação à candidatura da presidente, dos atos que a campanha dela
possa ter praticado.
O TSE seria o caminho para um eventual
impeachment?
Quando eu afirmo que o impeachment é
incabível tanto constitucional quando politicamente, eu digo que o TSE deverá
se pronunciar sobre as alegações graves que pairam sobre como a maneira como a
chapa Dilma-Temer saiu vitoriosa. Elas são da mais alta gravidade, do possível
uso de recursos indevidos na campanha. Se isso ocorreu, competirá ao TSE
decidir. O que quero dizer é que o TSE tem toda a legitimidade institucional
para tomar uma decisão, que deverá ser respeitada, qualquer que seja ela.
Como o senhor avalia as medidas do
Ministério Público Federal de combate à corrupção?
Vi com muita simpatia. É possível
questionar, ainda mais quando se apresenta um grande número de medidas, mas a
iniciativa é excelente porque pauta o assunto das mudanças das normas sobre
corrupção. O Brasil, quando toca nesse assunto, é incapaz de andar porque o
Congresso não dá o menor respaldo para os projetos de lei em andamento sobre o
tema. Então, o Ministério Público Federal acertou porque pode pautar o assunto.
O senhor vê no cenário atual efeitos da
Lei da Ficha Limpa?
A lei tem efeitos na política atual,
como o de barrar os casos mais grosseiros, escandalosos, de pessoas envolvidas
com práticas ilícitas. A prova é que alguns candidatos que concorreram nas
eleições passadas e foram barrados na Ficha Limpa já estão agora comprometidos
em ações penais, alguns até foram presos.
Isso terá uma grande incidência nas
eleições de 2016, porque a maior clientela da Lei da Ficha Limpa está entre os
candidatos a prefeito.
Quantas candidaturas foram até hoje
impugnadas pela lei?
Eu conduzi pesquisas até 2009. Até
então, eram 675 cassados, cerca de 500 só entre prefeitos e vice, mais de uma
centena de vereadores, foram cinco governadores, alguns senadores, deputados
estaduais e federais.
O que o senhor pensa sobre a delação
premiada?
É um instrumento moderno que tem
permitido chegar a informações que jamais seriam alcançadas sem isso. Há muita
falta de dados sobre ela, que por si só nada representa. O réu se dispõe a
apresentar provas, expandindo a investigação, e ela só é válida se essas provas
forem encontradas.
Há uma 'mitificação' do juiz Sérgio
Moro?
A sociedade é sedenta por líderes. As
pesquisas mostram que o maior problema percebido pelos brasileiros é a
corrupção. Então aparece um juiz que toma decisões baseadas na sua convicção
pessoal, e a demanda que ele preside gera essa vontade de identificá-lo como
apto a solucionar a corrupção. Eu acredito que ele não buscou tamanha
visibilidade. Ele tem feito o seu trabalho com muita prudência.
De forma geral, o que mais precisa ser
aperfeiçoado para se combater a corrupção no Brasil?
Insisto na necessidade da reforma
política. Nós não fizemos reforma política alguma. No passado, votou-se um
arremedo mais uma vez, com mudanças até importantes, como a proibição de
doações empresariais.
Também teremos mais instrumentos de
transparência. Pela primeira vez teremos a fixação de limites para gastos de
campanha. Precisamos mudar muito a maneira como votamos, especialmente na
composição das casas parlamentares. Elas fulanizam o debate político, e isso
pode ser mudado com o redesenho da estrutura das eleições brasileiras.
Quais seriam os três itens mais
urgentes da reforma política?
Nós propomos que por exemplo que nas
eleições parlamentares, o voto dado ao partido seja separado do voto dado ao
candidato. Hoje o eleitor vê apenas o candidato, não sabe que bancada ele
comporá, que ideias ele defenderá, sequer sabe se o seu candidato será de
oposição ou de situação.
Se trata de uma proposta que defendemos
de eleições parlamentares em dois turnos, aproveitando os dois turnos que já
existem para o Executivo, em regra.
Votar primeiro no partido e compor uma
bancada partidária, para só depois voltar às urnas e dizer qual candidato
preencherá cada uma das vagas. Isso é uma medida simples e extremamente
pedagógica.
Além disso, a necessidade de uma
participação mais efetiva da mulher na política, que não se dá no modelo atual.
A mulher precisa ser integrada no Parlamento não por uma questão de favor ou de
benemerência, mas porque se trata de uma parcela da população que está
gravemente subrepresentada.
O terceiro item é uma redução ainda
mais drástica e um aumento da transparência nas contas das campanhas. Elas
precisam ser baratas, a eleição não pode ser uma disputa financeira.
Sergio Lima - 6.set.2012/Folhapress
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