A Justiça
Federal em Santarém, em decisão inédita no Pará, declarou inexistente a Terra
Indígena Maró, abrangida parcialmente pela Gleba Nova Olinda, no município de
Santarém.
Com isso,
negou qualquer validade jurídica ao relatório produzido pela Funai (Fundação
Nacional do Índio), que identificou e delimitou a área de 42 mil hectares
(equivalente a 42 mil campos de futebol), sob o fundamento de que ali viveriam
índios da etnia Borari-Arapium.
Em sentença de 106 laudas,
assinada no dia 26 de novembro, mas divulgada somente nesta quarta-feira (3), o
juiz federal Airton Portela (foto), da 2ª Vara da Subseção de Santarém,
se refere a elementos extraídos principalmente de relatório antropológico de
identificação, produzido pela própria Funai, para concluir que as comunidades
da Gleba Nova Olinda, área que abrange a terra supostamente habitada pela tribo
Borari-Arapium, são formadas por populações tradicionais ribeirinhas, e não por
índios.
Ao
fundamentar a sentença, proferida nos autos de duas ações, uma do Ministério
Público Federal, outra de sete associações que representam os interesses de
populações tradicionais que ocupam a região da Gleba Nova Olinda, o juiz aponta
contradições e omissões nos laudos da Funai.
Com base
apenas na cronologia histórica, a sentença demonstra, por exemplo, que a ser
verdade uma das conclusões do laudo antropológico, o pai de um dos líderes da
comunidade Borari-Arapium teria nada menos do que 140 anos à época do
nascimento do filho, em 1980, na região hoje compreendida pela Gleba Nova
Olinda.
Airton
Portela sustenta que antropólogos e organizações não-governamentais induziram
parte das populações tradicionais da área a pedir o reconhecimento formal de
que pertenceriam a grupos indígenas.
“O
processo de identificação, delimitação e reconhecimento dos supostos indígenas
da região dos rios Arapiúns e Maró surgiu por ação ideológico-antropológica
exterior, engenho e indústria voltada para a inserção de cultura indígena
postiça e induzimento de convicções de autorreconhecimento”, afirma o juiz
federal.
Ao
declarar a terra indígena inexistente, o magistrado também ordenou que a União
e a Funai se abstenham de praticar quaisquer atos que declarem os limites da
terra indígena e adotar todos os procedimentos no sentido de demarcá-la.
A
sentença determina ainda que não sejam criados embaraços à regularização de
frações de terras da Gleba Nova Olinda – inclusive das comunidades São José
III, Novo Lugar e Cachoeira do Maró, formadoras da terra indígena declarada
inexistente -, garantindo-se às famílias de até quatro pessoas a regularização
fundiária que, no mínimo, atenda ao conceito de pequena propriedade.
De acordo
com a sentença, a Funai e a União não poderão criar obstáculos à livre
circulação nas áreas que couberem a cada família, assim como em relação às vias
que lhas dão acesso, tais como vicinais, ramais, rios e igarapés, tomando
providências para que os moradores que se autoidentificaram como indígenas não
criem dificuldades nesse sentido.
O Estado
do Pará deverá adotar medidas que assegurem a liberdade de ir e vir em toda a
região da Gleba Nova Olinda.
Requisitos
Portela
ressalta que os requisitos da tradicionalidade, permanência e originariedade,
previstos na Constituição Federal para o reconhecimento e demarcação de terras
indígenas, não foram demonstrados de forma sólida na ação proposta pelo MPF.
“No
presente debate verifico a ausência, não de apenas um, mas dos três elementos
referidos e assim ergue-se obstáculo constitucional insuperável que inviabiliza
o reconhecimento de terra tradicionalmente ocupada por indígenas”, diz o
magistrado.
Os
elementos apresentados à Justiça Federal por técnicos contratados pela Funai,
em lugar de comprovar a existência de índios no Baixo Tapajós e Arapiúns,
“antes revelam tratar-se de populações tradicionais ribeirinhas (São José III,
Novo Lugar e Cachoeira do Maró) e que em nada se distinguem das onze
comunidades restantes (de um total de 14) que formam a Gleba Nova Olinda, assim
como também nada há que se divisar como elemento diferenciador das demais
populações rurais amazônicas”, reforça a sentença.
Airton
Portela ressalta o elemento tradicionalidade – por exemplo, o batismo de casa,
puxar a barriga (largamente usado pelas parteiras amzônicas), consumo de chibé,
tarubá ou mesmo o ritual da lua – para demonstrar que não é indígena, mas
decorrente das missões jesuíticas, uma vez que, no Velho testamento, há quase
50 menções a rituais de lua nova.
O próprio
idioma nhengatu, lembra a sentença, já foi falado até em São Paulo.
O juiz
federal chama de “mais ativistas que propriamente cientistas” os antropólogos
que desenvolveram a chamada “etnogênese”, uma construção teórica que passou a
explicar e incentivar o ressurgimento de grupos étnicos considerados extintos,
totalmente miscigenados ou definitivamente aculturados.
“Tal
movimento de “ressurgimento” tem a miscigenação no Brasil e na América Latina
como mal a ser combatido (classificando-a como mito) e disso tem se servido
muitos ativistas ambientais, que vislumbram na figura do indígena ‘ressurgido’
uma função ambiental protetiva mais eficaz que aquela desempenhada pelas
chamadas populações tradicionais, e assim, não por outra razão, passaram a
incentivar o repúdio à designações que julgam ‘pouco resistentes’ tais como
‘caboclos’, ribeirinhos, ‘mestiços’, entre outras que rotulam como ‘autoritárias’
e ‘instrumentos de dominação oficial’”, complementa a sentença.
Fonte: Justiça Federal/Pará
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