Foi
assim que o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) justificou o voto a favor do
impeachment da presidente Dilma Rousseff no plenário da Câmara dos Deputados no
último domingo. As declarações geraram polêmica, especialmente pela referência
ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi (Destacamento
de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), órgão de
repressão da ditadura. Ustra morreu aos 83 anos em setembro do ano passado.
A
homenagem a um dos personagens mais controversos do regime militar foi alvo de
críticas de milhares de brasileiros, que foram às redes sociais expressar
choque e reprovação. Para um deles, no entanto, o elogio de Bolsonaro evocou
memórias ruins.
Em
1972, Gilberto Natalini, hoje médico e vereador pelo PV-SP, tinha então 19 anos
e foi torturado por Ustra. À época estudante de medicina, ele havia sido preso
por agentes da ditadura que queriam informações sobre o paradeiro de uma amiga
dele, envolvida na luta armada. Natalini negou-se a colaborar. A tortura
consistia em choques elétricos diários, que, segundo ele, lhe causaram
problemas auditivos irreversíveis.
"Bolsonaro
não tem o direito de reverenciar a memória de Ustra. Ustra era um assassino, um
monstro, que torturou a mim e a muitos outros", afirmou Natalini à BBC
Brasil.
Natalini
conta ter sido vítima de tortura por cerca de dois meses na sede do DOI-Codi em
São Paulo.
"Tiraram
a minha roupa e me obrigaram a subir em duas latas. Conectaram fios ao meu
corpo e me jogaram água com sal. Enquanto me dava choques, Ustra me batia com
um cipó e gritava me pedindo informações", relembra.
"A
tortura comprometeu minha audição. Mas as marcas que ela deixou não são só
físicas, mas também psicológicas."
Natalini
nega ter participado da luta armada contra a ditadura militar. Ele confirma ter
feito oposição ao regime, mas diz que "sem violência".
"Sempre
fui a favor da mobilização das consciências contra qualquer tirania. Nunca fui
a favor de ações violentas. Acolhíamos perseguidos políticos, prestando
atendimento médico quando necessário", diz ele, em alusão à Escola
Paulista de Medicina (EPM), onde estudava.
"Mas
todo mundo que se opunha ao governo militar era visto como terrorista",
ressalva.
PT
Image copyrightReuters
Para Natalini, que foi preso "outras 16 vezes" pelo
regime militar, Bolsonaro "não pode, como agente político, pregar o
retorno da ditadura".
"E
se ele o fizer, temos todo o direito de contestá-lo e colocá-lo em seu devido
lugar. Bolsonaro não vai conseguir impingir ao Brasil sua ideologia doente,
ultrapassada e fascista. O caso dele é com a Justiça", afirma ele.
Na
visão de Natalini, a projeção nacional do deputado está ligada à desmoralização
das esquerdas, devido "aos escândalos de corrupção protagonizados pelo
PT".
"Os
erros do PT permitiram que se criasse uma corrente de opinião contra à
verdadeira esquerda, que nunca existiu no Brasil. A extrema direita, que estava
adormecida, aproveitou-se desse vácuo. Bolsonaro é fruto dessa
roubalheira", opina.
"Se
nossa democracia tem defeitos, precisamos corrigi-la. Muito piores são os
regimes militares, de esquerda ou de direita", acrescenta.
Apesar
de criticar Bolsonaro, Natalini defende o impeachment da presidente Dilma
Rousseff. Segundo ele, não há "golpe".
"A
Constituição brasileira prevê que o presidente pode sofrer impeachment se tiver
cometido crimes de responsabilidade. Foi o que aconteceu com as chamadas
pedaladas fiscais", diz.
Ustra
Image copyrightABr
Um dos mais temidos militares nos anos de chumbo, Ustra chefiou
o DOI-Codi, órgão de repressão do 2º Exército em São Paulo. Ele foi apontado
por dezenas de perseguidos políticos e familiares das vítimas como responsável
por perseguição, tortura e morte de opositores.
Conhecido
pelo apelido de "Doutor Tibiriçá", ele foi acusado pelo
desaparecimento e morte de pelo menos 60 pessoas. Durante sua gestão, pelo
menos 500 casos de tortura teriam sido cometidos nas dependências do DOI-Codi.
Único
militar brasileiro declarado torturador pela Justiça, Ustra foi denunciado pelo
MPF (Ministério Público Federal) pela morte do militante comunista Carlos
Nicolau Danielli em dezembro de 1972. Mas não houve tempo para sua condenação.
Ustra morreu em setembro do ano passado em Brasília. Ele sofria de câncer de
próstata.
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@luisbarruchoDa BBC Brasil em Londres
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